Biografia

António Joaquim dos Santos, Toy Djack, nasceu na pacata aldeia de Ribeira Prata, ilha de São Nicolau, no dia 17 Fevereiro de 1932.

Proveniente de uma família humilde, o pai, Joaquim António dos Santos, trabalhador, e a mãe Júlia Matilde Silva, doméstica, seguiram rumos diferentes. A sua difícil infância foi dividida entre a casa da mãe e a do pai, na ilha que o viu nascer, e em São Vicente, em casa de um tio materno, que gentilmente o acolheu em 1940. Nesta sua primeira passagem pela Ilha do Monte Cara, morou em Alto Companhia, Monte Video, Casa Nova (Fonte Filipe), Casa Nova (Ribeira Bote) e Lombo Tanque.

Não teve a sorte de ir à escola; havia outras tarefas prioritárias a serem desenvolvidas. Mas como a tolerância nem sempre imperou na sua educação, cedo teve de aprender a distinguir o bem do mal e a entender a necessidade de ser assertivo e independente.

Em São Vicente, surgiu-lhe a oportunidade de frequentar a Oficina “d’ Cung” (Pontinha) na área de serralharia, onde desenvolveu alguma habilidade para moldar, cortar e soldar.

Em 1950 regressou a São Nicolau; não incluiu muita coisa na bagagem, mas levou a vivência de “mocinho d’Sãocent”, o aprendizado dos anos da oficina, a determinação, muita vontade de crescer como HOMEM e vários sonhos, de entre eles o desejo de se tornar um BOM PAI de família, (os seus filhos havia de educar).

Engana-se quem pensa que voltava analfabeto, pois aprendeu a ler e, com uma caligrafia firme e delineada, as cartinhas de amor escrevia. Sim, fora autodidata, embora tivesse deixado para trás o sonho de ser médico-cirurgião; não sabe ao certo se o empacotou, se desvaneceu na infância, durante as noites escuras de guarda na horta do padrasto, se o terá perdido nas ruas d’Morada, enquanto carregava o “binde” de cuscuz, ou se se terá afogado no poço de Matiota, quando a água ia buscar.

Porque a sina do cabo-verdiano é a emigração, como bom crioulo, em 1954 aventurou-se a embarcar rumo a São Tomé; a situação da ilha de São Nicolau impelia as pessoas a procurarem uma vida melhor na terra longe. Foram dois contratos, seis duros e pesados anos nas roças de São Tomé; valeu-lhe os anos de aprendizado na oficina de “Cung”, que lhe permitiu desempenhar outras tarefas além do trabalho no campo.

Em 1962 escolheu um novo destino, Europa. Holanda tinha aberto a porta à emigração, e à semelhança de muitos compatriotas, foi procurar a sua sorte, tendo tido a oportunidade de embarcar e trabalhar durante 30 (trinta) anos em diferentes companhias, na sua maioria holandesas. Contudo a sua longa e gratificante carreira no mar iniciou-se a bordo do navio tanque TOSCANA de bandeira Norueguesa, no qual trabalhou durante 29 (vinte e nove) meses.

Em 1964 o destino o uniu à sua amada, Armanda Filipa Silva Santos, a esposa e companheira durante 38 anos, que na intermitência da emigração, lhe fez pai de sete filhos (quatro rapazes e três meninas). 

Porque nem todos os sonhos se perderam pelo caminho, em 1983, alimentando o desejo de educar e formar os filhos, mudou-se com a família para São Vicente, fixando residência em Cruz João Évora. Deixar a casa, os familiares, os amigos e a Ribeira Prata (o seu Paraíso), não foi decisão fácil, mas esta não era uma mudança definitiva; como prometera à sua Armanda, a reforma e a velhice seriam desfrutadas na casa onde nasceram os seus meninos, concluída a missão da sua educação.

As longas, frias e solitárias noites de emigrante foram aquecidas pelo seu violão, que encostado ao peito, inspirado na saudade e embalado pelas turbulentas ondas brancas dos oceanos azuis “chorava” tímidas notas.

Foi assim que nasceram muitas das suas mornas e o sonho da sua compilação e divulgação. Durante décadas acalentou a vontade de gravar  um disco, desejo que foi deixando na gaveta porque as prioridades familiares falavam mais alto. Este seria um projeto pós-reforma.

Em 1988, uma hérnia discal viria a interromper a vida de cozinheiro no navio holandês “Unden”,  mas nem isso o trouxe de volta para a junto da família. A legislação holandesa tinha-se tornado mais exigente, embora estivesse impossibilitado de exercer no mar, não foi considerado totalmente incapaz. O relatório médico recomendava uma actividade em terra. Como arranjar trabalho em Holanda com 56 anos? Sabia que não ia ser fácil, e não foi possível.

O destino é por vezes cruel; a tarefa de educação dos meninos, que tinha sido uma das suas principais preocupações, via-se mais difícil; os filhos, maioria agora no liceu e/ou a estudar no exterior, precisava mais do que nunca do seu apoio e, apesar de não poder trabalhar, era obrigado a permanecer em Holanda até a idade de pré-reforma.

Perante este desígnio, teve que aprender gerir 80% do seu salário de modo a honrar os compromissos assumidos, a garantir   o seu sustento no estrangeiro,  da sua família em Cabo Verde e a  apoiar a filha  mais velha que estudava  no exterior.  Valeu-lhe nesta fase o rendimento da Mercearia que tinha aventurado investir.

Atingida a idade de pré-reforma, em 1992, regressou definitivamente a Cabo Verde. Tinha chegado o momento de se unir à família, desfrutar do prazer da sua convivência, assistir ao crescimento do primeiro neto e ver nascer a primeira neta.

No entanto, a família numerosa via-se reduzida; os filhos tinham crescido, os mais velhos tomaram diferentes destinos. A azáfama da casa cheia, o vazio das gargalhadas, dos gritos da criançada, das histórias contadas à volta da gigantesca mesa de sala de jantar, foi preenchido pela esperança de poder voltar à terra Natal, concluída a missão que ditou a mudança da sua família para São Vicente.

A doença da mulher em 1997, viria a deitar por terra  a sede da felicidade com a amada após a reforma. Um sofrimento raro fê-lo enterrar a esposa no dia 20 de Junho de 2002 e com ela o sonho do regresso definitivo à sua “casinha” de Ribeira Prata. Como voltar a viver no Paraíso, sem a sua Armanda? A idade já não recomenda e nem recomendava o isolamento do Vale de Ribeira Prata e a solidão das quatro paredes da casa que lá no passado construiu.

Resta-lhe o consolo de alguns dias de repouso, em determinadas épocas do ano ou quando a saúde lhe permitir umas escapadelas, para algumas partidas de “guritipau, bisca ou Oril” com velhos e novos amigos, umas pernadas de mazurca, enganando a saudade. 

Em 2012, com muito esforço, e perante o silêncio das muitas portas onde bateu, conseguiu concretizar mais um dos seus Grandes Sonhos, a gravação do CD  “Paraíso Escondido”.  Foi um projeto desafiante, que só foi possível graças ao apoio que recebeu das empresas onde trabalham três dos seus filhos (Caixa Económica, Enacol e Conchave), dos amigos, dos familiares, em especial dos seus próprios filhos, que se dedicaram de corpo, alma e coração ao projeto.

De destacar também o apoio recebido do então Ministro da Cultura e da Directora do Centro Cultural do Mindelo. 

Paraíso Escondido conta com a segunda voz das netas Hédine e Mara Gomes, e as onze faixas são retratos do nosso quotidiano e de uma história de 80 anos, marcada pela dor da saudade e da separação.

Porque a determinação foi sempre uma das suas principais virtudes, agora com 87 anos, tem já no mercado o seu segundo CD “Tributo Universal”.

Sim, não obstante a idade, Deus lhe concedeu este privilégio, e, novamente acompanhado pelas duas netas, e continuando a contar com o total apoio da família, Toy Djack abraçou mais este ambicioso projeto de fronte erguida. Lançado em Dezembro de 2018, Tributo Universal é composto por doze faixas musicais, todas da sua autoria, à semelhança do que acontece com respeito ao primeiro trabalho.

Com o seu novo álbum, Toy Djack continua privilegiando a morna e a coladeira, e o objetivo continua sendo o mesmo; o de continuar a fomentar o amor através da música. Com efeito, a faixa que dá título ao álbum (uma das três mornas do CD), nada mais é do que  uma “mantenha de esperança de um cabo-verdiano humilde” para este nosso mundo, hoje em dia, infelizmente algo atribulado.

Que a vibração das notas de cada umas das suas músicas, e da cabo-verdiana  de uma forma geral, contribuam para que a paz, cedo seja uma constante no seio da humanidade.

In SOCA MAGAZINE – Revista da Sociedade Caboverdeana de Autores – Abril/2019 – Nº 3 da II Série (Texto Adaptado).